O MUNDO ESPIRITUAL INDÍGENA
Religião e mitos A palavra religião é originária do termo latino “religare”, significa a religação entre o homem e um ser divino. As referências sobre a religião dos índios brasileiros estão ligadas aos mitos de cada povo porque os próprios indígenas não usavam a palavra religião. Eles tinham um conceito diferente do que era se religar a alguma coisa. Na verdade, para os indígenas há uma ligação com a natureza e dela com Deus. Os mitos seriam histórias com verdades consideradas fundamentais para determinado povo ou grupo que vão caracterizá-las pela importância que eles contém. Também pode ser definido de acordo com o nível de linguagem de um indivíduo ou a forma dele se expressar e contar suas narrativas para o povo. Este, pode fazer desenhos na areia, realizar atos de performance, dançar, cantar, gesticular, tudo isso para melhor visualizar a história. O Mito nas sociedades indígenas Os mitos nas sociedades indígenas ensinam algo sobre a história dos povos e o modo de pensar de cada um deles. São capazes de exprimir sentimentos e até mostrar valores e deveres de determinada tribo. Eles precisavam atender necessidades na narrativa desses fatos e primeiro procuravam explicar como era o seu mundo (cosmologia ou teoria de mundo), as regras comportamentais da tribo e a transmissão delas para as futuras gerações. Com um misto de criatividade entre a imaginação e os objetos do mundo natural que envolve passado, presente e futuro, o índio buscava construir algo que moldasse o mundo, na percepção dele, variando de tribo para tribo e sendo um forte caracterizador de sua identidade. O indígena depende do mundo que o cerca: meio ambiente, os ciclos que regem a natureza e a vida. Um exemplo disso é o surgimento do dia e da noite. O nascimento da noite em Tupi Um mito Tupi, chamado Tucumã relata o surgimento da noite: A noite não existia, pois ela estava presa dentro do coco de Tucumã (palmeira) guardado por uma serpente com características humanas e poderes sobrenaturais. Como a filha dessa serpente queria consumar o seu casamento era necessário a liberação da noite para que ela pudesse se deitar. O esposo dela enviou três índios para buscar o objeto, só que no meio do caminho, eles começaram a escutar ruídos de sapos e grilos e a curiosidade fez com que eles abrissem o fruto. O dia escureceu e a filha da serpente tentou descobrir um jeito para separar a noite do dia. Quando surgiu a Grande estrela da Madrugada, ela criou o pássaro Cujubim afim dele cantar para nascer a manhã. Após isto, criou o pássaro Inhambu para cantar afim de nascer a tarde até que surgisse a noite, e também fez outros pássaros para animar o dia. Os índios foram amaldiçoados e se transformaram em macacos de boca preta. Além da filha da serpente, todos os seres puderam dormir. Entre regras e costumes Outro fato também são as regras de comportamento que seria aquilo que é moralmente correto para nós. Uma lei específica era usada por diferentes tribos. No caso do ciúme por exemplo, há um mito que revela que um certo dia as esposas (como se fossem semi deusas) do Sol e da Lua estavam tristes porque seus maridos não tinham ciúmes delas. Assim, buscaram um remédio no pajé para aumentar o ciúme deles, que foi demasiado, fazendo com que o Sol e a Lua demonstrassem através da violência física. Com isso, elas retiram o remédio e o ciúme diminuiu. Assim essa necessidade foi passada entre gerações, a medida que os indivíduos vão amadurecendo, nas entrelinhas das histórias, conhecem novos segredos que mudam algumas reflexões, conhecimentos e verdades. Essas verdades são ensinadas para as crianças desde cedo, para que elas possam descobrir um mundo novo. Pelo fato dos mitos já estarem enraizados nos índios é que eles são difíceis de compreender e é necessário conhecer muito da história de determinada tribo. No decorrer das histórias estes mitos vão se atualizando e representando uma tradição deixada pelos antepassados e estes povos foram por muitas vezes nomeados de sem cultura. Em muitos mitos encontramos uma semelhança quanto as crenças de diferentes povos como:
Xamanismo e Rituais O xamanismo possui um significado amplo. A definição do dicionário Michaelis esclarece o conceito, mas não mostra a complexidade existente. Ele pode ser um ritual, uma religião, uma crença, uma forma de pensar ou de expressar teorias de mundo. Considerada uma longa filosofia de vida, o termo é antigo e partilhado pela extensão da Ásia até o extremo sul da América. Este sistema ritualístico, nos mostra a existência do “xamã”, ou sacerdotes ligados aos rituais. Sendo uma palavra semelhante a “pajé”, derivada do tupi-guarani são usados como referência para os xamãs. O xamanismo representa uma base para os autóctones da Ásia e das Américas, sendo este, trazido pelas colonizações. Sobreposto por grandes religiões, como o budismo, o taoísmo, o cristianismo e outras, o xamanismo indígena veio sobrevivendo aos ataques das outras culturas. Até mesmo porque ele passou a ser um estilo de vida que estava presente na vida dos indígenas. Este tipo de religião, se é que podemos tratá-la assim, não possui verdades inquestionáveis, mas seria uma forma de conexão que os xamãs fariam para estabelecer uma ligação entre os seres humanos e os espíritos, almas de mortos e de animais que estavam no mundo cósmico. Ao invés de ter algo, um símbolo que os conecte a este mundo, os xamãs vão em pessoa se encontrar com essas entidades. Um ritual sem pajé Há tribos também que executam o ritual do xamanismo, sem que aja um pajé ou especialista que estabeleça contato com as entidades. É o caso dos Parakanã do Xingu (região nordeste do estado do Mato Grosso). Pessoas comuns através de sonhos encontram espíritos. Eles levam as músicas que serão cantadas mais a tarde na aldeia. Quando uma pessoa está doente ou em crise, ela pode fazer ligações com o mundo sobrenatural e se renovar (limpam o sangue, os espíritos colocam poderes em seu corpo, aprende-se cânticos). Nesse momento, o índio “empajezou”, enxergando as coisas invisíveis. De acordo com a cosmologia indígena, há dois mundos, onde uma pessoa é composta por:
Nos sonhos, na ingestão de substâncias psicoativas ou doenças, a alma sai do corpo e anda por vários lugares que os olhos humanos não conseguem ver. E, é a partir daqui que vemos a relação entre o mito e o xamanismo. Os relatos das histórias dos ameríndios seguem essa cosmologia. Para eles, houve um tempo em que todas as espécies possuíam uma forma humana, até que algo aconteceu, e este fluxo foi interrompido. Animais (por causa de um erro que cometeram no passado) ganharam um corpo de anta, porco e outros bichos, mas continuaram com alma humana. Os humanos são os únicos que ficam com sua alma e a partilha com outras entidades que compõem a “natureza”. O homem e o desequilíbrio com o cosmos É comum ouvirmos o termo pajelança nos rituais indígenas de xamanismo. Sendo o termo proveniente da Floresta Amazônica , a pajelança, faz com que um elemento vivo mantenha uma relação com os reinos da natureza (mineral, vegetal e animal), e de acordo com o xamanismo indígena é praticado por curandeiros (pajés). Este contanto que o xamã tenta fazer com seres sobrenaturais muitas vezes é em busca de equilibrar um elo que fora perdido entre os povos e meio (mente e natureza). E, nesse processo há curas, exorcismo, entre outros atos. A crença existente é que as doenças surgem no homem por um desequilíbrio causado por ele e a ordem cósmica (universo) e muitas vezes a doença pode ter sido consequência de uma comportamento errado que o indígena teve. Há diversos rituais nas várias culturas indígenas, mas o que se destaca em cada uma delas é a forma com que realizam-no. Eles fazem o inverso do que acontece nos mitos, não só contam a história em si, mas recontam-na e estabelecem uma comunicação entre todos os seres e entidades. É a partir deles que se estabelece um equilíbrio entre os mundos e é indispensável para formar pessoas e a sociedade. Ele pode ser um ritual:
Em muitos desses rituais são invocados deuses que constituem diferentes tipos de elementos da natureza como: animais, ar, fogo, terra, objetos ligados a astronomia, etc. Nestes são celebrados as diferenças entre o mundo natural e o sobrenatural e entre as diferenças existentes entre os seres humanos. O ritual Kuarup Um exemplo de ritual é a cerimônia conhecida com Kuarup. Um ritual das tribos de origem Tupi habitantes do Parque do Xingu. Instituído pelo deus Mavutsinim para ressuscitar os mortos, ao longo do ritual, os mortos iam se transformando em humanos através de troncos de madeira que os representavam. Só que com uma quebra na magia do ritual os troncos não puderam se transformar mais em pessoas. Isso aconteceu porque um índio que havia tido relações sexuais resolveu espiar o ritual, mesmo sendo proibido pelo deus. Mavutsinim revoltado com a desobediência decidiu que os mortos não voltariam mais a vida e que somente seria comemorada a cerimônia. Nota-se que para eles havia vida após a morte e que ela não era o fim. Para estes povos, mesmo não existindo uma escrita, através de rituais, mitos, elementos da natureza, acessórios para o corpo, e outros, é que existe pessoas especialistas (pajé) que tem a sensibilidade de enxergar através da natureza o mundo que gira ao seu redor. Mas que figura curiosa é essa do pajé? É um líder espiritual e curandeiro que tem uma importância fundamental nas tribos. Geralmente por ser mais velho, é também um homem dotado de conhecimento e da história da tribo. É ele que irá passar toda a cultura, costumes e história para as outras gerações. Sendo chamado de curandeiro em algumas tribos, ele que vai direcionar os rituais, ervas e plantas no trato de algumas doenças. Como líder espiritual, é ele que será o xamã, ou aquela pessoa responsável por entrar em contato com os espíritos e deuses que protegem determinada tribo e de possuir poderes sobrenaturais. Já o cacique não entra nessa definição acima. Ele é o chefe político que cuida dos negócios da tribo e em cada uma delas recebe denominações diferentes. Ex.: Os tupis o chamavam de moruxaua. |