Para índios, tratamento convencional é insuficiente. Diretor do hospital diz que medida não vai atrapalhar trabalho dos médicos
Em São Miguel das Missões, a 500 quilômetros de Porto Alegre, os índios da etnia mbyá-guarani agora podem ser atendidos por seu líder espiritual quando forem ao hospital da cidade.
São Miguel das Missões, a 500 quilômetros de Porto Alegre, é patrimônio cultural da humanidade
Pela tradição guarani, a medicina dos “brancos” não atende completamente as necessidades dos indígenas, que recorrem aos rituais e aos “Karaí”, como são chamados os líderes espirituais das comunidades. O problema é que os rituais envolvem rezas, cânticos e o uso do cachimbo, o que não seria adequado ao ambiente hospitalar, onde se deve fazer silêncio e é proibido fumar. Por isso, a direção do hospital São Miguel Arcanjo destinou um espaço apenas aos pacientes indígenas, que poderão receber o tratamento médico e, ao mesmo tempo, o tradicional de sua cultura.
O acordo foi firmado no dia 28 de abril, após uma visita do procurador da República Felipe Müller a uma comunidade mbyá-guarani localizada no interior de São Miguel. Segundo Müller, entre outras reivindicações, os indígenas solicitaram o atendimento especial no hospital da cidade. Ele se reuniu com a direção da instituição, que acatou a sugestão.
O hospital disponibilizou uma sala com banheiro privativo espaço para até três leitos. Até agora, dois indígenas do município foram ao hospital, mas ainda não “usufruíram” do novo espaço.
De acordo com o diretor administrativo da Associação Hospitalar São Miguel Arcanjo, Inácio Müller, os médicos da instituição não se opuseram à iniciativa. “Conversamos com os médicos e eles disseram que, desde que não interferisse na conduta profissional, não haveria problema”, afirma.
Procurado pelo iG, o presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers), Fernando Mattos, informou que a entidade, além de não se opor, exalta a medida, já que se trata de um tradição cultural indígena e não deve interferir na atuação dos médicos.
A lei que regulamentou o Sistema Único de Saúde (SUS), ao falar do subsistema de atenção à saúde indígena, determina o atendimento das “especificidades da cultura dos povos indígenas”, que deve se pautar “por uma abordagem diferenciada e global”. Segundo o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Rio Grande do Sul, Roberto Liebgott, apesar da lei prever um atendimento diferenciado aos indígenas, a prática não é comum, a não ser em comunidades indígenas do norte do Brasil.“Para os indígenas, a espiritualidade é importante no processo de cura. O hospital de São Miguel está de parabéns por essa medida, que valoriza a cultura indígena”, comemora Liebgott.
Situada no noroeste do Rio Grande do Sul, São Miguel das Missões se tornou patrimônio mundial da humanidade por abrigar as ruínas da antiga redução dos jesuítas, onde moravam padres e índios durante o Brasil colonial. No auge das missões, 6 mil pessoas viviam entre os muros.
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