Retrato do gênio como pop star
Einstein demorou a falar quando pequeno. Até a empregada da família se sentiu no direito de tomá-lo como um garoto idiota. Esse quadro logo iria mudar. A biografia de Isaacson põe uma pá de cal na versão de que Einstein teria sido um péssimo aluno. No primário, ele foi sempre um dos primeiros da classe. Só deixava a leitura na hora de tocar violino. Antes dos 15 anos Einstein já dominava os cálculos diferencial e integral, aos 16 redigiu seu primeiro ensaio de física e com 17 entrou na faculdade, no setor que treinava professores especializados em matemática e física.
Até 1925, sustenta o biógrafo, Einstein continuou dando contribuições importantes à ciência. Depois disso, passou a resistir aos avanços da física quântica e mergulhou numa fracassada teoria do campo unificado, pela qual buscava dar conta de toda a estrutura do universo. As três últimas décadas da vida do cientista, que morreu em 1955, seriam marcadas ainda por um engajamento político cada vez maior – particularmente acentuado depois da chegada do nazismo ao poder, em 1933, o que o levou a se estabelecer em definitivo nos Estados Unidos. Trabalhando no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, Einstein recebeu a notícia de que a fissão nuclear confirmara sua equação E = mc2. Mais do que isso, que cientistas alemães estavam adiantados na pesquisa atômica. Escreveu ao presidente Franklin Roosevelt, chamando atenção para o perigo que representava o domínio dessa tecnologia nas mãos dos nazistas. "Isso exige ação", disse Roosevelt ao terminar de ler a carta. Era o início do processo que levaria à criação do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba atômica, com as conhecidas conseqüências. Não por acaso, a revista Time em sua edição de 1/7/46 sentenciou: "Albert Einstein não trabalhou diretamente na bomba atômica. Mas foi o pai da bomba de duas maneiras importantes: (1) foi sua iniciativa que inaugurou a pesquisa sobre a bomba nos Estados Unidos; (2) foi sua equação que tornou a bomba atômica teoricamente possível".
Nova biografia examina a ciência, as dificuldades
afetivas e a fama do físico alemão Albert Einstein
afetivas e a fama do físico alemão Albert Einstein
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No período de março a junho de 1905, um obscuro funcionário do Escritório Federal de Propriedade Intelectual de Berna, na Suíça, publicou quatro artigos na revista científica Annalen der Physik. Nascido em Ulm, na Alemanha, o jovem – em abril completaria 26 anos – trabalhava no tal escritório desde 1902, analisando pedidos de patentes, e escrevera os textos em suas horas vagas. O último deles, junto com um complemento sobre as relações entre massa e energia, tornou célebre o seu nome: Albert Einstein. Não era para menos. Os textos constituíam a certidão de nascimento da teoria da relatividade especial, que se tornaria famosa pela equação E = mc2 (energia é igual a massa vezes a velocidade da luz ao quadrado). A trajetória do gênio que virou o mundo de cabeça para baixo ao destruir os conceitos de tempo e espaço absolutos, pregados pela física clássica, é percorrida com fôlego admirável pelo americano Walter Isaacson em Einstein – Sua Vida, Seu Universo (tradução de Celso Nogueira, Denise Pessoa, Fernanda Ravagnani e Isa Mara Lando; Companhia das Letras; 656 páginas; 64 reais).
O livro começa com os agradecimentos do autor. Na lista aparecem quase duas dezenas de acadêmicos convocados para orientar a redação de certas passagens tecnicamente espinhosas. Diante disso, o leitor pode imaginar que terá pela frente uma biografia pautada por longos arrazoados científicos. O que se lê, no entanto, é um esforço notável para evitar essa armadilha. Isaacson é didático, paciente, dono de um ótimo senso de humor, e empenhou-se verdadeiramente para se fazer acessível a um público leigo. Não poderia ter encontrado melhor forma de ser fiel ao biografado.
Einstein foi o cientista mais popular de toda a história. Com ele, a ciência ganhou um rosto: o seu. "Se ele não tivesse o cabelo em pé, os olhos penetrantes, ainda assim Einstein se tornaria o garoto-propaganda da ciência?", pergunta Isaacson. E responde: "Seria esse o caso, creio. Sua obra tem um caráter muito pessoal, uma marca que a torna reconhecível, como um Picasso é imediatamente reconhecido como sendo um Picasso. Suas teorias eram assombrosas, e mesmo assim continham noções que capturavam a imaginação popular". Essas características natas de Einstein e de sua ciência de vanguarda – que se baseava na criatividade e nos vôos mentais, e não nas experiências de laboratório – tornaram o físico alemão um personagem, como se diria hoje, midiático. "Os repórteres adoraram o fato de que o gênio recém-descoberto não era nem um insosso nem um acadêmico reservado", anota Isaacson. Disposto a manter um tom de equilíbrio, contudo, o autor sublinha que a propalada aversão de Einstein à publicidade "existia mais na teoria do que na realidade".
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Albert Einstein em 1905: o ano miraculoso em que ele descobriu sua famosa teoria da relatividade |
Einstein demorou a falar quando pequeno. Até a empregada da família se sentiu no direito de tomá-lo como um garoto idiota. Esse quadro logo iria mudar. A biografia de Isaacson põe uma pá de cal na versão de que Einstein teria sido um péssimo aluno. No primário, ele foi sempre um dos primeiros da classe. Só deixava a leitura na hora de tocar violino. Antes dos 15 anos Einstein já dominava os cálculos diferencial e integral, aos 16 redigiu seu primeiro ensaio de física e com 17 entrou na faculdade, no setor que treinava professores especializados em matemática e física.
Foi na Politécnica de Zurique que ele conheceu aquela que seria sua primeira mulher e mãe de seus filhos. A sérvia Mileva Maric era a única aluna do grupo de Einstein na faculdade. Três anos e pouco mais velha do que ele, Mileva era manca e considerada feia até pelas amigas. Os pais de Einstein abominavam o namoro. "Quando você fizer 30 anos, ela será uma bruxa velha", disse a mãe em certa ocasião. Em 1902, quando ainda não eram casados – só oficializaram a união em 1903 –, Mileva e Einstein tiveram uma filha, Lieserl, cuja existência só foi descoberta pelos pesquisadores em 1986. Até hoje o episódio permanece nebuloso. Grávida e reprovada pela segunda vez nos exames finais da Politécnica, Mileva desistiu do curso e foi para a Sérvia, a fim de ter a criança perto de seus pais. Não se sabe se a menina morreu ou foi entregue para alguém criá-la. "Einstein e a filha, ao que parece, nunca puseram os olhos um no outro", diz Isaacson.
O casal teria ainda dois filhos, Hans Albert (1904) e Eduard (1910), porém jamais reencontraria a paz dos primeiros anos de relacionamento. A fama crescente de Einstein pesou muito para isso. O casamento entrou em fase terminal no ano de 1912, quando Einstein reencontrou uma prima, Elsa, também mais velha do que ele. Apaixonados, eles iniciaram um caso. Corroída pelo ciúme, Mileva se envolveria com outra pessoa, um professor de matemática. Em julho de 1914, Einstein apresentou à mulher uma proposta de cessar-fogo, uma espécie de contrato no qual, observa Isaacson, "a abordagem científica se unia à hostilidade pessoal, num documento assustador".
Sempre que as tensões psicológicas se tornavam graves demais, Einstein se afundava no trabalho. Com o matrimônio em crise, ele, mais do que nunca, se dedicaria à formulação da teoria da relatividade geral, que veio à tona em 1915. Convencido de que cedo ou tarde ganharia o Nobel de Física, propôs a Mileva, em 1918, que, se ela concedesse o divórcio, ele lhe daria o dinheiro do prêmio. Depois de muitas idas e vindas, o contrato foi firmado. O divórcio saiu em 1919 – ano em que um eclipse solar confirmou a teoria da relatividade geral, que postulava que a luz se curvaria ao passar por um campo gravitacional forte – e Einstein se casou com Elsa. Quando finalmente recebeu o Nobel, em 1922, ele cumpriu o acordo com a ex-mulher.
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O cientista com Mileva, sua primeira mulher, e o filho Hans Albert: sempre imerso na especulação científica, ele foi um marido difícil e um pai distante |
Até 1925, sustenta o biógrafo, Einstein continuou dando contribuições importantes à ciência. Depois disso, passou a resistir aos avanços da física quântica e mergulhou numa fracassada teoria do campo unificado, pela qual buscava dar conta de toda a estrutura do universo. As três últimas décadas da vida do cientista, que morreu em 1955, seriam marcadas ainda por um engajamento político cada vez maior – particularmente acentuado depois da chegada do nazismo ao poder, em 1933, o que o levou a se estabelecer em definitivo nos Estados Unidos. Trabalhando no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, Einstein recebeu a notícia de que a fissão nuclear confirmara sua equação E = mc2. Mais do que isso, que cientistas alemães estavam adiantados na pesquisa atômica. Escreveu ao presidente Franklin Roosevelt, chamando atenção para o perigo que representava o domínio dessa tecnologia nas mãos dos nazistas. "Isso exige ação", disse Roosevelt ao terminar de ler a carta. Era o início do processo que levaria à criação do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba atômica, com as conhecidas conseqüências. Não por acaso, a revista Time em sua edição de 1/7/46 sentenciou: "Albert Einstein não trabalhou diretamente na bomba atômica. Mas foi o pai da bomba de duas maneiras importantes: (1) foi sua iniciativa que inaugurou a pesquisa sobre a bomba nos Estados Unidos; (2) foi sua equação que tornou a bomba atômica teoricamente possível".
O cientista arrastaria até seus últimos dias um desconfortável sentimento de culpa por isso. Foi esse sentimento que o levou a defender até a morte a criação de um governo mundial "que tivesse o monopólio do poderio militar". Por causa dessas idéias e de sua simpatia pelo socialismo, Einstein foi investigado pelo FBI no início dos anos 50. Tolice: o cientista condenava a ditadura soviética com a mesma veemência com que fora contra o fascismo. O mais curioso é que a investigação não conseguiu levantar aquilo que era "o mais importante", segundo Isaacson: a informação de que, na década de 40, o cientista tivera um romance – sem conseqüências políticas – com uma espiã da União Soviética, Margarita Konenkova.
Quando Einstein morreu, o responsável pela autópsia, o patologista Thomas Harvey, do hospital de Princeton, decidiu embalsamar o cérebro do cientista e guardá-lo consigo. Cortou-o em pedaços, enfiou as partes dentro de dois vidros de biscoito e rumou para a Universidade da Pensilvânia, onde fatias microscópicas do órgão passariam por análises minuciosas. Nunca se chegou a nada conclusivo. "A questão relevante é como funcionava a mente de Einstein e não o seu cérebro", argumenta Isaacson. E completa: "O mundo já viu muitos gênios petulantes. O que tornava Einstein especial era que sua mente e sua alma eram temperadas pela humildade".
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